quinta-feira, 12 de junho de 2008

Células-tronco: de Galileu ao STF (Pedro do Coutto - Tribuna da Imprensa)

Depois de cinco anos de identificação, finalmente, por escassa maioria, o Supremo Tribunal Federal decidiu rejeitar a ação de inconstitucionalidade contra a lei dos embriões e autorizar o prosseguimento das pesquisas científicas com as células-tronco. Trata-se apenas - o que por si é tudo - de tentar regenerar seres humanos, devolver-lhes movimento adequado, salvar vidas.

No artigo que publicou na edição de 29 de maio desta TRIBUNA DA IMPRENSA, comentando a véspera do julgamento, Helio Fernandes referiu-se ao florentino Galileu. É isso mesmo, no ano de 1610, Galileu foi obrigado pela Igreja Católica a recuar formalmente de sua teoria de que a Terra era redonda e movia-se em torno de si mesma. Por isso, quando se discutiu se a ciência deveria prosseguir ou não, eu coloquei gênio de Florença no título.

Seu nome, na realidade, através dos séculos, tornou-se talvez o maior emblema da eterna luta contra o obscurantismo. Sobretudo o obscurantismo religioso, que transforma a religião numa espécie de equipe esportiva. Há quarenta anos contra o divórcio. Foi vencida pelos fatos. De 1500, quando o Brasil era descoberto, até o ano de 1800, a Inquisição. Três séculos antes da Inquisição, as cruzadas, apoiadas pela Inglaterra e pela França.

Pretexto: regatar o Santo Sepulcro, que seria o túmulo de Jesus Cristo. Mas como? Para o Vaticano, ele ressuscitou e subiu aos céus. Portanto, sob esta ótica, o lugar onde se encontra não é neste planeta. Além disso, a Igreja de Roma conviveu com a escravidão durante mais de três séculos. Por falar em Galileu, cientista e poeta, que se apresentava como mensageiro das estrelas, o pedido de perdão, por parte do Vaticano, foi formalizado pelo papa João Paulo II, mil e quatrocentos anos depois de sua prisão, quase excomunhão, e, pior, condenação capaz de levá-lo até a morte, se não recuasse.

Seu crime: usar a mensagem dos astros e das estrelas para provar que a Terra era redonda. Bartolomeu Dias, em 1487, Vasco da Gama, em 1490, Cristóvão Colombo, em 1492, e Pedro Álvares Cabral, em 1500, todos da Escola de Sagres, cruzaram os oceanos mais de cem anos antes de Galileu. Foram protagonistas da maior aventura humana. Vejam o medo das tripulações: se o planeta fosse quadrado, as caravelas poderiam despencar no abismo. Nem estes fatos convenceram a Cátedra de São Pedro, como Oto Maria Carpeaux chamava o Estado do Vaticano.

Agora as células-tronco. Incrível a oposição à lei que, em seu conteúdo, não manda fazer nada. Somente autoriza a seqüência das pesquisas no Brasil, como já existe numa série de países do mundo. Vejam só os leitores. A energia nuclear, a partir da desintegração do átomo, começou no mundo com o projeto Manhattan, que levou às bombas lançadas contra Hiroshima e Nagasaki. Destruição terrível.

Hoje, a energia nuclear é amplamente usada para combater uma série de doenças malignas, graves todas, mortais uma parte substancial delas. Imagine se por causa das bombas de Hiroshima e Nagasaki o uso da energia atômica fosse proibido. O inventor da dinamite foi o primeiro vencedor do Prêmio Nobel. Explosivo voltado para destruir. Mas que, reflexivamente, conduziu a humanidade a um sem número de construções. Assim, a invenção do radium por uma cientista, Madame Curie. Deveríamos ter proibido a pesquisa por causa da contaminação que alguns casos provocaram?

Na verdade, a interdição encontra-se eternamente na contramão da história. Desde a Grécia, seiscentos anos antes de Cristo, obras teatrais fantásticas foram proibidas. Estão aí sendo montadas até hoje. A começar pelo Édipo, papel que Paulo Autran imortalizou no Rio em 1967, direção de Flávio Rangel. Podem pesquisar à vontade: ninguém será capaz de apresentar uma única peça, um único livro, um único ensaio científico, uma única matéria jornalística que, interditados em algum momento de sombra, depois não tenham sido exibidos e veiculados livremente. As células-tronco, no Brasil, a partir de agora, incluem-se nesse cenário.

Como é possível rejeitar-se a pesquisa com células-tronco, argumento muito firme de Elena, minha mulher, se aceitamos o transplante. O que é o transplante? É retirar-se um órgão de alguém com morte cerebral, porém com o coração batendo, para aproveitá-lo em outro ser humano, que, para viver, necessita dele. Aí neste caso, sim, a ciência está antecipando a morte, irreversível, para garantir a vida. Se valer o transplante, como não deveriam valer os embriões? Os adversários do futuro, no Supremo Tribunal Federal, inclusive não conseguiram enfrentar o desafio de frente.

Não. Procuraram contornar o desfecho com subterfúgios, ampliando a distância entre a ciência e seu objetivo. Por que isso? Não se compreende a visão obscurantista. Afinal, não se estava disputando nada na Corte Suprema. Estava-se debatendo o progresso, o conhecimento humano, o futuro. Em 1969, Alan Armstrong tornou-se o primeiro ser humano a chegar à Lua. Pode-se dizer que conseqüências diretas não houve. Mas e as indiretas? Houve uma aventura alada que rompeu os limites até então existentes. Depois da ruptura, a ciência deu saltos enormes. Um deles a informática. Assim caminha a humanidade.

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