quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Células-tronco: primeira utilidade será produção de sangue

Andrew Pollack

Quando as pessoas pensam em utilizar células-tronco de embriões humanos para a prática da "medicina regenerativa", elas muitas vezes mencionam a possibilidade de produzir neurônios que ajudem a combater o Mal de Parkinson, células cardíacas capazes de reparar os danos causados por um ataque do coração ou células pancreáticas que substituam as destruídas pelo diabetes.

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Mas alguns cientistas afirmam que um dos primeiros usos terapêuticos desse tipo de célula pode vir a ser muito mais prosaico: a produção de glóbulos sangüíneos vermelhos para transfusões.

Essas células sangüíneas, talvez produzidas em grandes caldeirões, poderão um dia suplementar as doações de sangue, que em muitos períodos escasseiam. E o sangue estaria livre de doenças infecciosas que ocasionalmente são encontradas em sangue doado.

A Agência de Pesquisa de Projetos Avançados de Defesa (Darpa) dos Estados Unidos está iniciando um programa de "cultivo de sangue" cujo objetivo é desenvolver um sistema capaz de produzir glóbulos sangüíneos vermelhos diretamente no campo de batalha, a partir de células progenitoras.

Produzir glóbulos sangüíneos vermelhos "é uma das coisas mais simples que se pode fazer, tomando por base uma célula-tronco embriônica", disse Eric Bouhassira, professor de biologia celular e hematologia do Albert Einstein College of Medicine, em Nova York, que vem realizando pesquisas nesse campo.

O motivo, disse ele, é que para tratar o Mal de Parkinson, doenças cardíacas ou diabetes, os cientistas precisam não apenas descobrir de que maneira produzir as devidas células mas também conseguir que elas funcionem da maneira esperada quando implantadas no organismo. Mas quando os cientistas aprenderem a produzir glóbulos vermelhos, ou plaquetas, as células que permitam a coagulação sangüínea, eles já saberão como utilizá-los.

Além disso, reproduzir um tipo sangüíneo para evitar rejeição é mais fácil do que reproduzir outros tipos de tecido passíveis de rejeição em caso de transplante.

Ainda assim, essas vantagens são em alguma medidas negadas pelo imenso volume de células requerido para uma transfusão, muito superior ao que seria necessário para o tratamento do Mal de Parkinson ou outras doenças.

É por isso que um estudo publicado em agosto pela revista Blood atraiu alguma atenção. Cientistas da Advanced Cell Technology reportaram ter produzido entre 10 bilhões e 100 bilhões de glóbulos vermelhos começando de uma placa de células embriônicas humanas.

"Trata-se da primeira ocasião, pelo menos que eu esteja informado, em que alguém se provou capaz de produzir glóbulos vermelhos em escala suficiente para que fossem utilizados em transfusões", disse um dos co-autores do trabalho, o Dr. George Honig, professor emérito e hematologista pediátrico da Universidade de Illinois, em Chicago.

Mas até mesmo esse volume é inferior ao necessário para uma transfusão. Uma unidade de sangue, o equivalente a meio litro, contém mais de um trilhão de células, disse o Dr. Dan Kaufman, professor associado na Universidade de Minnesota.

A Advanced Cell Technology, que vem batalhando por obter capital suficiente para manter suas portas abertas, não é a única companhia envolvida em esforços para desenvolver células sangüíneas.

James Thomson, da Universidade do Wisconsin, o primeiro cientista a derivar células-tronco embriônicas humanas, é um dos fundadores da Stem Cell Products, uma empresa criada para desenvolver produtos sangüíneos com base em células-tronco. A empresa posteriormente se fundiu a uma segunda companhia de cuja criação Thomson também participou, a Cellular Dynamics, e está trabalhando no desenvolvimento de células que seriam usadas em pesquisas farmacêuticas.

A idéia enfrenta diversos outros desafios, além do imenso volume de células necessário. Os glóbulos vermelhos produzidos com células-tronco embriônicas até o momento tendem a se assemelhar mais a glóbulos vermelhos fetais ou embriônicos do que a glóbulos vermelhos adultos.

Tendem a ser maiores e muitas vezes contêm núcleos, o que pode impedir sua passagem pelo corpo. E eles têm uma forma diferente da molécula globina, que porta o oxigênio.

Até que ponto esses glóbulos vermelhos funcionariam bem no corpo humano continua a ser uma incógnita. Os glóbulos vermelhos produzidos pela Advanced Cell Technology portavam tanto oxigênio quando glóbulos vermelhos adultos, em testes de laboratório, mas ainda não passaram por testes clínicos em animais ou seres humanos.

"O teste real precisa acontecer em organismos vivos", disse a Dra. Thalia Papayannopoulou, professora de medicina na Universidade de Washington, acrescentando que as células fabricadas poderiam não durar tanto no corpo quanto os glóbulos vermelhos de sangue doado, devido às diferenças em suas membranas.

A segurança é outro fator que terá de ser levado em séria consideração. Os produtos substitutos de sangue produzidos de outras maneiras já causaram danos a pacientes, sob determinadas circunstâncias. Por fim, existe também a questão do custo. "As pessoas doam sangue de graça, e é difícil competir com esse preço básico, do ponto de vista do custo", disse Nick Seay, vice-presidente de tecnologia da Cellular Dynamics.

Mesmo depois que o sangue recebido em doação passa por todo o processamento requerido, um hospital continua capaz de adquirir uma unidade de sangue natural por cerca de US$ 200.

Mas com os dispendiosos fatores de crescimento que seriam necessários para desenvolver glóbulos vermelhos com base em células embriônicas, os custos do sangue artificial produzido dessa maneira poderiam chegar à casa dos milhares de dólares por unidade, de acordo com o Dr. Michael Busch, diretor do instituto de pesquisa da Blood Systems, uma organização sem fins lucrativos que trabalha obtendo doações de sangue e distribuindo-o a instituições necessitadas.

Os glóbulos vermelhos poderiam concebivelmente se tornar uma das primeiras terapias derivadas das chamadas células-tronco induzidas pluripotentes, que são produzidas com base em células epidérmicas adultas.

Essas células estão ganhando popularidade na pesquisa porque evitam a destruição de embriões necessária à obtenção de células-tronco embriônicas, um procedimento que gera grande controvérsia ética nos Estados Unidos.

Mas uma grande barreira ao uso das células induzidas em terapia é que elas são criadas por meio da adição de genes a uma célula epidérmica por ação de um vírus. Um dos genes que foi usado para esses propósitos durante o desenvolvimento tem o potencial de causar câncer, e o uso de vírus pode igualmente se provar prejudicial.

Mas glóbulos vermelhos produzidos dessa maneira presumivelmente não portariam riscos de câncer porque as células sangüíneas não têm núcleo, explicou Kaufman.

Outras células, como as de medulas ósseas ou de sangue do cordão umbilical, também poderiam ser usadas na produção de glóbulos vermelhos. Mas essas células não podem se reproduzir indefinidamente em caldo de cultura, ao contrário das células-tronco embriônicas. Pesquisadores como Cornelis Murre, da Universidade da Califórnia em San Diego, estão trabalhando em maneiras de contornar esse problema.

Os contratos iniciais de "cultivo de sangue" da Darpa não envolverão células de tronco embriônicas humanas, disse Seay, da Cellular Dynamics. Nos termos da política científica adotada pelo governo Bush, verbas federais só podem ser utilizadas na pesquisa de um pequeno número de linhas de células-tronco embriônicas previamente aprovadas pelas autoridades. Nenhuma dessas linhas é do tipo O negativo, o doador universal que a Darpa pretende obter.

Tradução: Paulo Migliacci

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