sábado, 24 de março de 2012


Alzheimer e Parkinson e as Incertezas da Genética e das Células-Tronco



A geneticista Mayana Zatz comenta a importância de estudos recentes e o futuro da genética no país.27/02/2012 - por Redação Portal do Envelhecimento na categoria 'Gerais'
A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, é hoje um dos principais nomes da ciência nacional e uma das responsáveis pela aprovação de pesquisas com células-tronco no país.

Em sua coluna na Revista Veja, segmento pesquisas, Zatz comenta um estudo recente sobre a proteína Tau que, quando alterada, se propagaria no cérebro causando a doença de Alzheimer. O trabalho demonstrando o comportamento anormal da proteína no cérebro de camundongos foi publicado na revista PlosOne.

Zatz aborda, também, outra pesquisa, ainda mais importante, publicada na revista Nature Medicine (29 de janeiro), mostrando que a deficiência da Tau na sua forma solúvel – não a proteína anormal – seria a responsável pelo acúmulo de ferro na doença de Alzheimer e Parkinson com demência, ocasionando a morte dos neurônios.

Ela diz: “E o que é mais animador é que os autores dessa pesquisa propõem uma nova abordagem terapêutica baseada nesses achados. A “tau” da proteína parece realmente importante.”
Agregados da proteína Tau são encontrados no cérebro de pacientes com Parkinson e doença de Alzheimer

“Sabemos que a proteína Tau, quando anormal, forma emaranhados neurofibrilares no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer (DA), Parkinson (DP) e outras doenças degenerativas do cérebro. (...). Entretanto, pouco se sabe sobre a função normal da Tau e como ela atua nessas patologias”, esclarece Zatz

Deficiência de Tau e acúmulo de ferro

Os autores dessa nova pesquisa descobriram que os níveis solúveis da proteína Tau estavam diminuídos no cérebro de pacientes que haviam falecido com a DP. Por outro lado, outras pesquisas já haviam reportado acúmulo de ferro no cérebro de pacientes com DP, na córtex de pacientes com DA e em outras regiões cerebrais. Isso levou os pesquisadores a levantar então a seguinte hipótese: seria a deficiência da Tau responsável pelo acúmulo de ferro? Para responder essa questão geraram camundongos transgênicos deficientes para essa proteína.

O que foi observado nos camundongos deficientes para Tau?

Como os sintomas tanto da DP como da DA só aparecem em idade avançada, havia a expectativa de que nos camundongos transgênicos isso também poderia acontecer. De fato, até os 6 meses de idade eles se comportavam como animais normais. Aos 12 meses, porém, a diferença era gritante. Os animais transgênicos apresentavam perda cognitiva, tinham alterações severas na locomoção e em todos os testes funcionais quando comparados com os camundongos controles. Além disso, sabe-se que em pacientes com a DP há uma perda e disfunção dos neurônios dopaminérgicos, responsáveis pela produção da dopamina. Isso também foi observado nos camundongos transgênicos. Eles tinham acúmulo de ferro no cérebro e 40% menos neurônios dopaminérgicos em comparação aos controles normais.

Qual foi o próximo passo?

A próxima questão era saber se o quadro clínico nos animais transgênicos poderia ser evitado com uma droga que diminui o acúmulo de ferro no cérebro dos animais. Os camundongos foram então tratados com clioquinol, uma droga que tem esse efeito – a partir dos 6 meses e durante 5 meses. E então a boa notícia: o tratamento evitou o início da degeneração. Entretanto, uma questão ainda a ser resolvida é que nesses animais, diferentemente dos seres humanos, a doença não progride após os 12 meses o que representa uma limitação do modelo.

Qual a importância dessa pesquisa?

Em resumo, ela demonstrou que a deficiência da Tau causa um acúmulo tóxico de ferro no cérebro e que animais geneticamente modificados com deficiência dessa proteína são um bom modelo para pesquisar as alterações patológicas que causam doença de Parkinson e Alzheimer. Os achados demonstraram que, além de formar agregados tóxicos no cérebro na sua forma anormal, a Tau também é necessária para prevenir danos associados ao envelhecimento. Portanto novas abordagens terapêuticas que mantenham a solubilidade da Tau e sua abundancia poderão ser muito promissoras. Repito: aprofundar as pesquisas com a “tau” da proteína será muito importante, alerta a geneticista.

Sobre as incertezas da genética e das células-tronco – Sabatina com Mayana Zatz promovida pela Folha de S.Paulo em 13/fev/2012

Zatz explica que ainda é cedo para falar em tratamento de humanos por meio de células-tronco.
Acompanhe os principais trechos da sabatina:

Tratamento
Se alguém estiver cobrando tratamento com células-tronco, tome cuidado. O que temos hoje é pesquisa - e pesquisa não pode ser cobrada. O único tratamento que existe é a infusão de células-tronco coletadas do sangue do paciente e usadas em um autotransplante de medula óssea [como no tratamento de Reynaldo Gianecchini]. Não sabemos os riscos de outras aplicações, como em rugas.

Exames genéticos
Por que se faz exames na gravidez como o ultrassom? É a mesma filosofia dos exames genéticos. Quando começamos a oferecê-los, os abortos diminuíram. Havia quem abortasse com medo de que o filho tivesse uma doença genética presente na família.

Burocracia
O custo para fazer um genoma no Brasil é cerca de cinco vezes maior do que na China. Temos muitas dificuldades para fazer pesquisa, especialmente para importar material. O governo diz que precisamos importar a cada seis meses. Isso é o mesmo que dizer a uma dona de casa que ela precisa comprar de uma vez só tudo que usará em seis meses. Sobra farinha e falta fubá. Os materiais são cadastrados, os pesquisadores são cadastrados. Por que não importamos material científico como se importam livros?

Religião
Muitas pessoas que nos ajudaram a aprovar a lei que autoriza pesquisas com células-tronco no Congresso [em 2005] são evangélicas. Um dirigente católico já me disse para não desistir da luta: “a Igreja muda de posição”.

Expectativas
Não queremos criar falsas expectativas e nem usar os pacientes como cobaia. Mas não podemos parar de divulgar os resultados das pesquisas para mostrar que os trabalhos têm andado.
Informação genética
Há empresas dos EUA sequenciando genoma e mandando pelo correio por mil dólares. Esses testes não são confiáveis e as pessoas não saberão interpretar os dados.

Ética
Se um paciente nos procura por causa de um problema muscular e descobrimos que ele tem gene para Alzheimer, devemos contar? Os EUA contam tudo. Aqui nós perguntamos se a pessoa quer saber as doenças que pode ter. Os exames genéticos mostram que 10% das pessoas não são filhos de quem pensam ser. Nós só falamos essa informação caso afete o tratamento ou aconselhamento genético.

Genes “fúteis”
Sou totalmente contra manipulação genética de genes que chamo de “fúteis”, como para aptidão a esportes ou cor dos olhos. E se o filho, em vez de esportista, quiser ser músico?

Futuro da genética
Pense na complexidade que é um ser humano. Hoje sabemos que não basta ter um gene para manifestar uma doença. Há genes “protetores” que parecem impedir essa manifestação. Ainda temos muitas perguntas.

Referências
ZATZ, M. (2012). Alzheimer, Parkinson e a proteína Tau.  http://veja.abril.com.br/blog/genetica/pesquisas/alzheimer-parkinson-e-a-proteina-tau/. Acesso em 16/02/2012.